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Respiração nos tecidos e órgãos

RESPIRAÇÃO EM TECIDOS E ÓRGÃOS

   Quando consideramos a respiração na planta, geralmente nos referimos às trocas gasosas realizadas pelos órgãos, e não ao processo molecular de oxidação da glicose. A taxa respiratória é variável de acordo com o tipo de órgão, idade, ambiente, estação etc. Cada órgão vegetal respira independentemente e recebe, quase sempre, carboidratos (geralmente sacarose) para “queimar”; no processo de respiração celular. A seguir, serão apresentadas as características do processo respiratório em cada órgão da planta.

Respiração na planta inteira

     As alterações no metabolismo respiratório de uma planta podem ocorrer diariamente (sob condições de estresse de temperatura, umidade, luminosidade, ataque de patógenos, entre outros), ao longo de sua ontogenia (germinação, florescimento, frutificação) ou sazonalmente (mudanças de estações). Tais mudanças na taxa respiratória podem ser observadas na planta como um todo, mas principalmente naqueles órgãos mais expostos às variações, como no sistema radicular em condições de solo alagado, folhas atacadas por fungos ou frutos durante o climatério.
Pesquisas têm mostrado que as oscilações na taxa respiratória de um determinado órgão podem estar relacionadas com a quantidade, bem como com o tipo de substrato disponível para a respiração. O quociente respiratório (razão entre CO2 liberado e O2 consumido), pode ser usado como um bom indicador do tipo de substrato predominantemente utilizado. A variação da disponibilidade de substrato é uma das vias para se entender a maneira pela qual a respiração responde à demanda de energia metabólica (utilização de ATP). No entanto, ainda não se sabe ao certo se a oscilação da respiração de um dado órgão é causa ou consequência da oscilação paralela da disponibilidade de substratos presentes. Obviamente, existem muitas situações nas quais certos compostos produzidos como agentes de proteção contra organismos externos, por exemplo, são também inibidores ou desacopladores da cadeia de transporte de elétron e, portanto, afetam indiretamente a respiração do tecido.
Quando se pensa em controle da respiração, a idéia de demanda de energia, disponibilidade de substrato e taxa respiratória se sobrepõem. Sob baixos níveis de substrato (carboidratos e ácidos orgânicos) a atividade respiratória pode estar limitada por este déficit. Quando os níveis de substrato aumentam, a respiração pode exceder a demanda por energia metabólica. Nestas condições, a atividade da rota alternativa do metabolismo respiratório (cianeto-resistente) é aumentada. Como visto anterior- mente, esta via alternativa permite a oxidação dos substratos e redução dos agentes redutores (NAD[P]H, FADH2) sem, no entanto, produzir grandes quantidades de ATP.
Considerando a planta como um todo, a taxa de respiração depende de três processos principais que requerem energia: manutenção da biomassa, crescimento e transporte de íons. Estima-se que o custo para a respiração de manutenção seja de 20 a 60% dos fotoassimilados produzidos por dia, sendo que a maior parte desta energia é direcionada para a renovação de proteínas e para a manutenção do gradiente de íons através da membrana. A respiração de crescimento está relacionada com os processos biossintéticos (produção de biomassa). Este tipo de respiração requer grande consumo de carboidratos para gerar energia (ATP e NAD[P]H) e esqueletos de carbono. Em tecidos heterotróficos a produção de energia é dependente exclusivamente da respiração, enquanto em tecidos fotossintetizantes tais compostos podem ser obtidos diretamente da fotossíntese. Alguns trabalhos demonstraram que a respiração de crescimento sofre um decréscimo significativo ao longo do ciclo de vida das plantas, enquanto a respiração de manutenção se mantém constante. Obviamente, estas alterações ocorrem devido à diminuição dos processos biossintéticos e com a contínua taxa de renovação de vários compostos.

      Finalmente, o transporte de íons e moléculas através da membrana pode ocorrer por canais ou carreadores, sendo que estes processos também requerem energia metabólica oriunda da respiração. Assim, a planta tem que lançar mão do sistema respiratório para absorver os macro e micronutrientes fundamentais para a construção de seus corpos. Além disso, após a construção das moléculas fundamentais que compõem esses corpos (açúcares, lipídios, proteínas e ácidos nucléicos) as células têm que se manter em constante “comunicação” através do transporte de açúcares (principalmente a sacarose) e hormônios vegetais. Tudo isso faz parte do sistema dos gastos energéticos referidos, na introdução, e no sistema de comunicação interna das plantas. Para compreender melhor o funcionamento destes sistemas de comunicação, é importante conhecer os mecanismos de sinalização disparados pela luz ou por hormônios.
Além dos fatores limitantes para respiração já comentados anteriormente, existem outras situações de estresse (bióticas e abióticas) que  também podem causar alterações nas taxas respiratórias e, consequentemente, afetar o crescimento da planta. Em geral, as condições de estresse levam a um aumento inicial na respiração devido a um aumento na demanda por energia (ou maior disponibilidade de substrato temporariamente) ou pela ativação da rota alternativa (cianeto-resistente), sendo que em longo prazo pode haver queda no processo respiratório em função de menores taxas de assimilação de carbono e no metabolismo em geral, associados a um crescimento mais lento dos organismos submetidos a tais condições (p. ex., estresse salino, déficit hídrico e ataque de patógenos, altas concentrações de CO2.
Plantas expostas a baixas concentrações de oxigênio apresentam maior expressão do gene que codifica para a hemoglobina. Os níveis de mRNA de hemoglobina em tecido de aleurona de cevada são mais altos em baixo oxigênio e, além disso, o controle da expressão parece não estar relacionado diretamente ao oxigênio, mas aos níveis de ATP no tecido. Mais recentemente observou-se que hemoglobinas aparecem em tecidos em crescimento rápido. É possível que as taxas respiratórias relativamente baixas em tecidos vegetais em relação aos animais ocorram em condições em que o transporte de oxigênio não seja necessário, mas acima de um certo limiar. Por exemplo, sob condições de hipoxia (baixa disponibilidade de oxigênio) geradas por alagamento, as hemoglobinas seriam responsáveis pelo seu transporte. Uma outra hipótese é que a hemoglobina funcionaria com um mecanismo sensor de oxigênio nos tecidos.

Raízes

     As raízes são órgãos que respiram muito e intensamente. O substrato utilizado no processo é constituído por carboidratos vindos da parte aérea pelo floema, a partir das folhas, que são os órgãos responsáveis pela fotossíntese .
A energia que é liberada pela respiração radicular é utilizada para a síntese dos componentes celulares, para formação das estruturas secundárias (quando houver), nos processos de absorção e acúmulo de nutrientes minerais e também de reserva alimentar.        Raízes primárias e jovens respiram de forma mais intensa do que as raízes com crescimento secundário. A explicação para tal fenômeno é muito simples: raízes primárias e jovens têm meristemas em contínuo processo de alongamento e diferenciação, que são processos dispendiosos do ponto de vista energético. Raízes em crescimento secundário também têm as células meristemáticas do câmbio e as anexas que respiram com maior intensidade.
Nas raízes, o oxigênio necessário para o processo respiratório provém principalmente do solo, podendo também vir da parte aérea. O solo deve apresentar boa aeração, para que a  raiz possa retirar o oxigênio do solo. Quando a atividade respiratória é intensa, o oxigênio pode vir também da parte aérea.  Plantas de manguezais ou de pântanos retiram oxigênio do ar, devido à baixa quantidade de oxigênio dissolvido na água ou presente no solo. Para tanto, desenvolveram uma estrutura especial para as trocas gasosas denominada pneumatóforos (p. ex., Avicenia nitida e Rhizopwra mangle). Outras plantas podem apresentar respiração anaeróbica (p. ex., Nuphar).
Raízes aquáticas apresentam um tipo de parênquima adaptado à função de reserva de ar no aerênquima que, além de permitir a flutuação da planta, retém oxigênio para o processo respiratório (p. ex., Ludwigia sp). A formação de aerênquima nas raízes pode ser induzida em uma planta não adaptada à anoxia através do alagamento, quando ocorre a indução de uma enzima denominada celulase (que digere a celulose das paredes celulares em regiões específicas do tecido radicular, de forma a aumentar os espaços internos do tecido).

Caule

      Os caules verdes, suculentos, que apresentam estrutura primária, fazem trocas gasosas com o meio através da epiderme, enquanto naqueles com crescimento secundário geralmente o O2 é proveniente das folhas. Nesses caules, a respiração é mais intensa na região do câmbio vascular e felogênio, onde novas células estão se formando, crescendo e diferenciando. As trocas gasosas nos caules com crescimento secundário são muito baixas e por isso o O2 difunde-se pelas células caulinares. Alguns tipos de caule podem apresentar estruturas conhecidas como lenticelas, que facilitam as trocas gasosas com o meio.
Em cactáceas, as trocas gasosas ocorrem somente à noite, com a abertura dos estômatos . Em caules subterrâneos, o O2 difunde-se de célula a célula, como no caso de Allium cepa (alho) e Solanum tuberosus (batata). Os caules aquáticos apresentam grande quantidade de aerênquima, que, além da flutuação, acumulam O2 para facilitar a respiração (p. ex., Nymphaea, Victoria amazônica).

Folhas

       De todos os órgãos vegetais, as folhas são as que mais realizam trocas com o ambiente. Os estômatos são as estruturas responsáveis pela maior parte das trocas realizadas pelo órgão. A liberação de CO2 pelas folhas é determinada pela razão CO2/cm2 da área foliar e é praticamente constante desde o início da sua formação até a morte. Em folhas de feijão, por exemplo, a taxa respiratória de manutenção chega a ser dez vezes mais alta no período inicial de desenvolvimento, baixando drasticamente conforme as folhas se expandem. Ao mesmo tempo, a taxa respiratória relacionada ao crescimento tem um pico durante o intervalo de taxas máximas de expansão foliar, voltando gradativamente aos patamares iniciais.
Em folhas próximas da abscisão, há um aumento expressivo na taxa respiratória que diminui algum tempo antes da folha cair. Este fenômeno está possivelmente relacionado com a reabsorção de compostos (p. ex., íons, aminoácidos e açúcares), com o seu armazenamento como reserva caso a planta esteja adaptada a ambientes com variações sazonais (biomas de regiões temperadas e no cerrado, por exemplo), ou podem ser diretamente incorporados em outras partes da planta caso a sazonalidade seja menor.
Os mecanismos de senescência e abscisão foliar estão relacionados à atividade de uma série de hormônios vegetais, tais como as citocininas, as auxinas e o ácido abscísico, que, direta ou indiretamente, promovem um aumento da taxa respiratória e está relacionada ao crescimento até a queda foliar.
Quando a expansão foliar atinge o máximo, taxas elevadas de assimilação de CO2 (fotossíntese) são também atingidas. Esperava-se, nesse momento, que a taxa respiratória diminuísse para não haver queda na incorporação de CO2 e, portanto, manor produção de carboidratos, mas, isso não ocorre. A liberação de CO2 é mantida constante devido à taxa respiratória de manutenção da fotossíntese, de forma que em geral só há decréscimo quando a folha já está praticamente morta.
A manutenção da taxa respiratória nessas condições pode ser explicada pela degradação de outras substâncias, como as proteínas. Além disso, há a via das pentose fosfatos, que é muito importante quando a folha atinge expansão máxima, pois é uma via essencial, por exemplo, para a síntese de ácidos nucléicos, e carboidratos. Esta via, além de produzir calor ainda regenera alguns carboidratos que podem voltar à glicólise e posteriormente serem degradados no ciclo de Krebs. A pentose-fosfato (ribose- 5-fosfato) ainda pode dar origem a um outro açúcar, a eritrose-4-fosfato, que não produz calor mas origina pigmentos presentes em pétalas e frutos, colorindo-os.

Flores e frutos

       O processo de floração envolve normalmente uma grande demanda respiratória em plantas. Além da necessidade de construir os tecidos florais, após o desenvolvimento da flor, há diversos processos relacionados à polinização, que envolvem em muitos casos a “comunicação” com animais polinizadores.
Em muitas espécies, devido à estratégia ecológica de produção de grande número de flores, que ao final do processo são abortadas (em sua maioria), a demanda de energia é bastante elevada. Nesse caso, parece haver, durante o período reprodutivo, uma priorização da energia para este processo em detrimento de outros processos de desenvolvimento.
Em regra, a consequência do sucesso da fecundação resulta na formação de frutos. Estes apresentam uma alta taxa respiratória logo no início da sua formação, ou mesmo antes de serem formados. Ainda durante a formação do tubo polínico, ocorre um aumento nos teores de AIA no ovário da flor. Concomitantemente, há um aumento da taxa respiratória que está possivelmente relacionado à intensificação da atividade metabólica no ovário. Após a fecundação, a necessária translocação de nutrientes das folhas vizinhas para o ovário envolve um gasto energético considerável. Uma vez o fruto formado, a alocação de nutrientes e a produção dos diversos tipos celulares que armazenam esses nutrientes passam a apresentar taxa respiratória mais baixa. No processo de amadurecimento de certos frutos ocorre um aumento rápido e intenso da taxa respiratória chamado de climatério. Nos frutos climatéricos (abacate, maçã, banana, entre outros) ocorre a produção de etileno (outro hormônio vegetal), acelerando o amadurecimento (hidrólise de amido, síntese de pigmentos etc.) e senescência. Tratamentos com etileno aceleram o amadurecimento de frutos climatéricos, sendo este procedimento comumente utilizado para fins comerciais.
Outros frutos não apresentam climatério e, mesmo adicionando-se etileno, não ocorre tal fenômeno. Isto pode ser observado em laranja, abacaxi, uva etc. O efeito da temperatura sobre a taxa respiratória dos frutos também pode ser facilmente observado, isto é, baixas temperaturas retardam a senescência dos frutos, fazendo com que a taxa respiratória mantenha-se baixa. Por outro lado, temperaturas elevadas, principalmente à noite, aumentam a taxa respiratória e aceleram o amadurecimento de frutos. Baixas concentrações de O2 sob redução da temperatura ambiente, podem estimular a respiração anaeróbica, mais precisamente a fermentação, enquanto altas concentrações de CO2 inibem a produção de etileno pelo fruto, retardando o amadurecimento. Na estocagem de frutos (pós-colheita), combina-se a redução da temperatura e de O2 com um aumento na concentração de CO2 (atmosfera modificada). Os três fatores atuando juntos mantêm as taxas respiratórias do fruto em níveis suficientemente baixos, retardando assim o amadurecimento.

Sementes

       Durante o processo de germinação, com o aumento da entrada de água por embebição, o metabolismo celular é reativado. Esta reativação metabólica provoca uma série de mudanças fisiológicas. Uma das consequências é o aumento da taxa respiratória, associado à necessidade da utilização das reservas energéticas existentes no endosperma ou nos cotilédones. Nesse período, há a hidrólise de óleos por ß-oxidação, a produção de açúcares, fitormônios e diversas enzimas hidrolíticas (proteases, ß-galactosidases, α-amilases, ß-glucanases, nucleases etc.). Como conseqüência, o amido ou outros polissacarídeos de reserva, proteínas e aminoácidos são utilizados em parte na respiração, cuja taxa elevada deve-se ao crescimento do eixo embrionário.
Para que o processo respiratório ocorra há a necessidade de O2 disponível no solo, já que a grande maioria das sementes germina em  condições aeróbicas. Durante a germinação, as sementes utilizam, como fonte inicial de carbono na respiração, a sacarose e oligossacarídeos da série rafinósica (feijão, lentilha e ervilha). Estes já se encontram estocados (quando da maturação da semente) e são degradados rapidamente à medida que a taxa respiratória aumenta. A vantagem para as sementes de armazenar esses compostos é o acesso rápido, uma vez que são solúveis e estão presentes no citoplasma e disponíveis para uso imediato. Com isso, logo após a embebição a semente perde massa e libera CO2, produzindo a energia necessária para o desenvolvimento inicial da nova planta. Esta reserva inicial é crucial para a germinação, e, dependendo da estratégia de estabelecimento da plântula, os cotilédones podem ainda possuir grandes quantidades de reservas de carbono (como no jatobá e em diversos cultivares, como feijão e soja), que serão utilizadas também na produção de energia pela via respiratória.
Alguns tipos de sementes germinam com pouco ou mesmo na ausência de oxigênio disponível, como é caso do chamado arroz de várzeas, onde as condições de germinação são praticamente anaeróbicas e a obtenção de energia se dá através do processo de anaerobiose (fermentação). Sementes de plantas de manguezais utilizam também a fermentação para a germinação, sendo este processo anaeróbico a única alternativa que estas sementes dispõem para liberar H+ dos NADH + H+ acumulados.

Veja também:

Referências Bibliogáficas:

Buchanan, Gruissem, Jones, Biochemistry & Molecular Biology of Plants p. 696-705. 2000
Taiz, L.; Zeiger, E. Fisiologia vegetal. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. 820 p.

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