Home » Metabolismo da Germinação » Etapas da Germinação » Dessecação de sementes

Dessecação de sementes

DESSECAÇÃO DE SEMENTES

A semente tem como papel biológico à conservação e a disseminação da espécie. A conservação dos vegetais pode ser realizada “in situ”, ou seja, nas áreas de preservação permanente, reservas legais e parques nacionais ou “ex situ”, que corresponde conservação das espécies vegetais fora do seu habitat natural, podendo ser através de coleções de plantas em campo, bem como de plântulas in vitro, ou mesmo em bancos de sementes (Santos, 2000).

O armazenamento tem por objetivo básico a preservação da qualidade fisiológica das sementes, sendo fundamental para a manutenção dos bancos de germoplasma e para a semeadura de plantio comercial ou repovoamento da vegetação em áreas degradadas (Kohoma et al., 2006). Dependendo do objetivo, pode ser necessária a conservação das sementes por períodos curtos ou longos (Pagel, 2004).

Na última década, ocorreu um aumento do número de estudos sobre a classificação fisiológica, das sementes de espécies florestais nativas do Brasil, quanto à capacidade de armazenamento. Isso se deu principalmente, devido à crescente demanda por sementes viáveis, para atender diversas demandas, como para os programas de conservação e produção florestal. No entanto, diante da grande diversidade de espécies existentes, a literatura ainda é deficiente sobre a tecnologia dessas sementes, principalmente em relação ao comportamento durante o armazenamento (Maluf e Pisciottano-Ereio, 2005).

Diversas técnicas têm sido estudadas visando melhores condições de armazenamento, sendo que a principal, é a redução do metabolismo da semente, obtida através da dessecação da semente ou da diminuição da temperatura. Contudo, várias espécies tropicais, dentre as quais, muitas são arbóreas nativas do Brasil, são intolerantes à dessecação, sendo necessário, portanto, o desenvolvimento de tecnologias específicas para sua conservação (Kohoma et al., 2006).

A tolerância à dessecação, que permite à semente ser armazenada por muitos anos sem perda de viabilidade, na maior parte das sementes, é adquirida durante a maturação. Essa capacidade de armazenamento varia entre as espécies, mesmo em um mesmo lote de sementes (Groot et al., 2003). Essa tolerância está relacionada à capacidade do organismo em enfrentar o estresse da quase completa perda de água e, posterior reidratação dos tecidos das sementes (Hoekstra et al., 2003), sendo esta uma característica apresentada por sementes ortodoxas, no entanto, pouco se conhece a respeito dos principais eventos metabólicos e fisiológicos decorrentes do armazenamento de sementes recalcitrantes.

 Sendo assim, objetivou-se com esta revisão, reunir informações sobre as alterações fisiológicas e bioquímicas das sementes durante a dessecação.

 

 

           Classificação de sementes

Segundo Roberts (1973), as sementes podem ser classificadas, quanto ao comportamento durante o armazenamento, em sementes que toleram à dessecação, denominadas de ortodoxas, podendo ser armazenadas por longos períodos e a baixas temperaturas, mantendo-se viáveis após a dessecação a níveis reduzidos de umidade; e em sementes sensíveis à dessecação, conhecidas como recalcitrantes, não sobrevivem a baixos níveis de umidade e toleram reduzidos períodos de armazenamento,.

Sementes ortodoxas, durante sua formação, apresentam três fases principais, a histo-diferenciação, maturação e secagem, o que lhes conferem tolerância à dessecação, a qual é mantida após a dispersão, reassumindo seu metabolismo assim que são reidratadas e fornecidas condições favoráveis de germinação (Bewley & Black, 1994). Por outro lado, as espécies recalcitrantes não apresentam a fase de secagem durante o desenvolvimento, são dispersas com alto conteúdo de água e estão metabolicamente ativas no momento da dispersão, o que as tornam sensíveis à dessecação (Berjak et al., 1993; Berjak & Pammenter, 2000).

Berjak et al. (1990) propuseram os termos “homoiohydrous” e “poikilohydrous” em substituição aos termos recalcitrantes e ortodoxas, respectivamente, devido ao fato de que as sementes recalcitrantes apresentam teor de água sem redução durante seu desenvolvimento, e as ortodoxas apresentarem teor de água variável durante sua vida.

            Além destes grupos há um terceiro, no qual as sementes apresentam um comportamento de armazenamento intermediário ao ortodoxo e ao recalcitrante. Tais sementes toleram a desidratação até 7,0% a 10% de umidade e não toleram baixas temperaturas durante período de tempo prolongado (Ellis et al., 1990).

Alguns autores consideram tais categorias arbitrárias, sugerindo que exista na verdade um gradiente de recalcitrância (Farrant et al., 1988; Berjack & Pammanter, 2002).

Considerando essa variação, entre outras características, Farrant et al. (1988) propuseram a separação das sementes recalcitrantes em “altamente” (pequena tolerância à dessecação), “moderadamente” (moderada tolerância à dessecação) e “minimamente” recalcitrantes (elevada tolerância à perda de água). As sementes altamente e moderadamente recalcitrantes são aquelas sensíveis a baixas temperaturas, enquanto que as minimamente recalcitrantes apresentam maior tolerância, desde que a temperatura seja superior a 0ºC.

Walters (2000) apresentou evidências de que a recalcitrância possui um caráter quantitativo, podendo ser definidos potencias hídricos críticos, e não apenas um caráter qualitativo, como era relatado anteriormente.

Segundo Carvalho (2000), a classificação de Bonner (1990) é considerada a mais adequada para as sementes de espécies florestais, compreendendo 4 grupos: ortodoxas verdadeiras (toleram a secagem abaixo de 10% de umidade e, quando submetidas a temperaturas abaixo de zero, podem ser armazenadas por períodos relativamente longos, ou seja, durante 50 anos ou mais), subortodoxas (podem ser armazenadas sob as mesmas condições do grupo anterior, mas, no máximo, por 6 meses), temperadas recalcitrantes (são sensíveis à dessecação a baixos níveis de umidade, mas podem ser armazenadas por vários anos, sob temperaturas próximas do congelamento) e tropicais recalcitrantes (também devem ser armazenadas em condições de alta umidade relativa e com troca de gases, porém, apresentam maior sensibilidade a baixas temperaturas e à dessecação).

Embora existam discussões em relação ao uso dos termos ortodoxas e recalcitrantes, parece que estes são os mais difundidos pela comunidade científica para o comportamento de sementes quanto às condições de armazenamento (Hong & Ellis, 2003).

            Aspectos da tolerância à dessecação no ambiente

Os diferentes comportamentos das sementes são conseqüências do processo de seleção natural, em diferentes condições ambientais. As plântulas de sementes ortodoxas, provavelmente, necessitaram sobreviver a condições ambientais adversas. Nessas condições, sementes que germinam imediatamente após o desprendimento da planta mãe não sobrevivem, enquanto aquelas que produzem suas plântulas durante condições ambientais ideais são selecionadas. Além disso, é plausível que o baixo conteúdo de água das sementes limite a germinação e previna a deterioração por microorganismos (Neves, 1994; Barbedo & Bilia, 1998).

Por outro lado, sementes recalcitrantes são provavelmente selecionadas em um habitat distinto ao das sementes ortodoxas. Este habitat permitiu o desenvolvimento das plântulas durante todo o ano, onde a dessecação das sementes poderia ser um fator limitante para a germinação (Neves, 1994; Barbedo & Bilia, 1998).  Segundo Berjak et al. (1984), as espécies com sementes recalcitrantes parecem ter origens a partir de locais mais úmidos e, portanto, adequados ao processo germinativo continuamente. Nos estádios finais da sucessão florestal, ocorre uma maior retenção de umidade pelo ambiente, o que é marcante nos sub-bosques de vegetações tropicais no estado clímax. Assim, a dispersão de sementes recalcitrantes contendo alto grau de umidade e na ausência de dormência, em um ambiente com umidade e luz adequada, culmina rapidamente com o processo germinativo.

De acordo com Kageyama & Viana (1989) características como germinação, dormência e armazenamento de sementes florestais tropicais relacionam-se com mecanismos de regeneração natural das espécies, ou seja, a sucessão de espécies. Swaine & Whitmore (1988) separaram as espécies em dois grupos ecológicos principais, espécies pioneiras e espécies clímax. As sementes de espécies pioneiras necessitam de alta intensidade de luz para a germinação, muitas apresentam dormência, principalmente causada por tegumento impermeável, e possuem alta longevidade. Estas espécies regeneram-se por meio do banco de sementes no solo e podem ser armazenadas durante longo período (Kageyama & Viana, 1989; Carvalho et al. 2006), o que corresponde ao comportamento ortodoxo (Roberts, 1973).

As sementes de espécies clímax, que não necessitam de luz direta para germinação e posterior crescimento da plântula, não são dormentes, germinam rapidamente (a menos que apresentem um tegumento duro), apresentam reduzida longevidade e regeneram-se, principalmente, por meio de banco de plântulas. Dentro deste grupo podem ser encontradas as sementes classificadas como recalcitrantes (Kageyama & Viana, 1989; Pammenter & Berjak, 2000; Carvalho et al., 2006) (Figura 1).

FIGURA 1: Esquema geral da tolerância a dessecação em sementes.

O termo recalcitrante abrange uma larga escala de tolerância à dessecação e de comportamento das sementes quanto ao armazenamento. Nas formas mais extremas, como as espécies que ocorrem nos mangues, o desenvolvimento da semente prossegue diretamente da maturação para a germinação, escapando da fase de desidratação, germinando muitas vezes quando ainda está unida à planta-mãe, como exemplo tem-se Rhizophora mangle L. (Ferreira & Borghetti, 2004).

            Água nas sementes

A presença de água nas sementes é de fundamental importância nos processos de transporte de nutrientes, nas reações do metabolismo e na transferência de energia química. O desempenho destas funções vitais só é possível devido às propriedades que a água tem como um solvente biológico ideal, podendo dar estrutura a células e organelas além de controlar as atividades metabólicas nas plantas. Em linhas gerais, um organismo que tem a capacidade de tolerar a dessecação deve ter mecanismos para reparos de possíveis deteriorações advindas da perda de água.

As sementes podem apresentar-se com diferentes teores de água, e na maioria das vezes se mantêm vivas mesmo com teores de água muito baixos. A água contida nas sementes pode ser classificada em 5 níveis de hidratação conforme a (Tabela 1).

            TABELA: Diferentes conteúdos de água com diferentes energias de ligação presente nas sementes nas etapas do seu desenvolvimento.

No nível de 0 a 8% a água presente pode também ser chamada de água de constituição, nome que comprova a dificuldade de retirada desse tipo de água principalmente pela presença de ligação do tipo iônica. Sementes ortodoxas podem suportar a retirada até deste tipo de água, porém essas sementes não sobrevivem por longos períodos. Neste nível, principalmente nos limites inferiores ou seja abaixo de 4% de umidade os danos provocados pela dessecação são irreversíveis.

O teor de umidade no qual a semente atinge o equilíbrio higroscópico, logicamente varia com uma série de fatores inerentes à semente e às condições do ambiente, entretanto, naturalmente e na maioria das espécies este equilíbrio acontece no nível entre 9 e 22% de umidade, as sementes são armazenadas com grau de umidade entre 10 e 13%. Com esta umidade o metabolismo é praticamente nulo e a respiração é baixíssima (não mensurável).

Apesar da redução das atividades metabólicas teores de água entre 23 e 33% a respiração ainda acontece em um nível relativamente alto. É nesta fase que normalmente se inicia a colheita.

À medida que o teor de matéria seca vai aumentando, o grau de umidade da semente tende a diminuir. Na maturidade fisiológica a semente se encontra com umidade entre 33 a 55%, na qual a germinação normalmente é impedida ou por deficiência de hidratação ou por algum fator endógeno à semente (dormência). Nesta fase há o desligamento da semente com a planta mãe e acentua-se a perda de água, com a tendência natural da semente estabelecer o equilíbrio higroscópico com o ambiente.

Durante a fase inicial de formação da semente, os tecidos estão com teores de umidade acima de 55%, e o metabolismo é possível, permitindo a formação das partes constituintes da semente e o acúmulo das substâncias de reserva.

        REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRA, A. G.; BORGHETTI, F. Germinação: do básico ao aplicado. Porto Alegre: Artmed, 2004. 323 p.

GUIMARÃES, R.M. Fisiologia de sementes. Apostila (Curso de especialização Pós-Graduação “Lato Senso” por tutoria à distância: Produção e Tecnologia de Sementes). Lavras: UFLA/FAEPE, 132p. 1999.

HALMER, P. Commercial seed treatment technology. In: BLACK. M.; BEWLEY; J.D. Seed technology and its biological basis. Sheffield: Sheffield Academic Press, 2000. p. 258-286.