Dormência

DORMÊNCIA

A garantia de sobrevivência das espécies vegetais está diretamente vinculada à existência de sementes, as quais simbolizam a sua continuidade e diversidade. No entanto, além de conter o genoma dos progenitores, as sementes são capazes de receber estímulos do ambiente durante ou após a sua formação, permitindo alterar seu comportamento a partir da liberação da planta-mãe. Assim, após a adaptação ao ambiente, muitas espécies de plantas passaram a desenvolver, evolutivamente, mecanismos que permitissem a sua sobrevivência. Dentre estes, a dormência de sementes representa uma das principais habilidades das espécies vegetais para garantir a sua sobrevivência e perpetuação, estando relacionada com a duração do ciclo e rusticidade da espécie (Mcivor & Howden, 2000). A dormência é o fenômeno em que as sementes de determinada espécie, mesmo sendo viáveis e possuindo todas as condições ambientais para iniciar o processo germinativo, não germinam (Azania et. al., 2009).

O fenômeno da dormência é comum. Na natureza as sementes não germinam logo após a colheita devido a mecanismos internos, de natureza física ou fisiológica, que bloqueiam a germinação. Esses mecanismos são genéticos e ocorrem durante a formação e a maturação da semente, de modo que, logo após a dispersão, a semente ainda não se encontra apta para germinar. Além dos fatores genéticos que influenciam a dormência, as condições ambientais durante o período de desenvolvimento e na maturação das sementes, também exercem esse efeito (de Tunes et. al., 2009).

A dormência é um mecanismo que distribui a germinação no tempo para favorecer e garantir a sobrevivência das espécies (Popinigis, 1977; Carvalho & Nakagawa, 2000; Bianchetti, 1991). Por outro lado, a dormência é, freqüentemente, prejudicial às atividades de viveiro onde se deseja que grandes quantidades de sementes em germinem em curto espaço de tempo, permitindo a produção de mudas uniformes.  Além disso, lotes de sementes que possuem algum tipo de dormência podem ter a sua viabilidade subestimada quando são obtidos baixos valores de porcentagem de germinação. Neste caso, o conhecimento de suas causas é de significativa importância prática, visto que permite a aplicação de tratamentos apropriados para se obter melhor germinação (Melo et al., 1998).

A dormência é normalmente classificada de acordo com sua origem ou com prováveis mecanismos envolvidos. Quanto à origem, são reconhecidas atualmente duas modalidades de dormência: primária (equivalente à dormência inata) e secundária (ou induzida). Com base nos mecanismos presumivelmente envolvidos, a dormência de sementes pode ser classificada em dois grandes grupos: endógena e exógena. (Cardoso, 2004).

A dormência endógena, que também pode ser chamada de embrionária, é causada por algum bloqueio à germinação relacionado ao próprio embrião – mas que eventualmente pode envolver tecidos extra-embrionários –, podendo ser dividida em: fisiológica, morfológica e morfofisiológica. A dormência exógena ou extra-embrionária é causada primariamente pelo tegumento, pelo endocarpo, pelo pericarpo e/ou por órgãos extraflorais, em geral por pouca ou nenhuma participação direta do embrião na sua superação. Em geral, os mecanismos responsáveis por essa modalidade de dormência estão relacionados à impermeabilidade, ao efeito mecânico, e/ou à presença de substâncias inibidoras dos tecidos. Pode ser dividida em: física, química e mecânica (Cardoso, 2004).

            Dormência fisiológica

A dormência fisiológica é causada por mecanismos inibitórios envolvendo os processos metabólicos e o controle do desenvolvimento. Na dormência fisiológica operam diversos mecanismos, localizados não só no embrião propriamente dito, mas também nos tecidos e nas estruturas adjacentes, tais como tegumento e endosperma (Cardoso, 2004).

Segundo Baskin & Baskin (2004), dormência fisiológica é aquela em que a presença de substâncias inibidoras ou ausência de substâncias promotoras da germinação impedem que a germinação ocorra. Ela pode ser subdividida em dormência fisiológica profunda, intermediária ou superficial. A dormência profunda ocorre em espécies que necessitam de período longo com temperaturas baixas para a sua superação. A distinção desta para as demais subdivisões (intermediária e superficial) se dá pela ausência de crescimento do embrião ou pela geração de plântulas anormais, mesmo quando o embrião é isolado da semente. As dormências fisiológicas, intermediária e superficial, são mais comuns, sendo necessário o isolamento do embrião para geração (Vivian et. al., 2008).

Fatores responsáveis pela dormência fisiológica, como a sensibilidade a reguladores químicos e o fotoequilíbrio do fitocromo, devem estar localizados exclusivamente no embrião. Entretanto, também são considerados responsáveis pela dormência fisiológica fatores relacionados aos tecidos extra-embrionários. Como exemplo, pode-se destacar a restrição física e/ou mecânica, provocada pelo tegumento e/ou endosperma, e a ação exercida por inibidores de crescimento (como compostos fenólicos) presentes no endosperma, na testa ou no pericarpo. (Cardoso, 2004).

Para a superação da dormência fisiológica são comumente utilizados tratamentos com fitohormônios como o ácido giberélico (GA). GAs são fitormônios essenciais que controlam muitos aspectos no desenvolvimento das plantas, incluíndo a germinação de sementes, expansão foliar, elongação do caule, florescimento e desenvolvimento de sementes (Davies, 2004). GAs são diterpenóides tetracíclicos sintetizados do geranilgeranil difofasfato. A biossíntese de GAs representa um papel importante em promover a germinação em sementes. O efeito inibidor da biossíntese de GA por meio de compostos inibidores, como o paclobutrazol, sugere que nova síntese (síntese de novo) de GA é requerida durante a germinação das sementes (Davies, 2004). Essas linhas de evidências demonstram que o nível de GA é um determinante crítico para a germinação de sementes (Davies, 2004; Swain & Singh, 2005). Porém, isso permanece não esclarecido, como concentrações endógenas de GA são moduladas durante a germinação de sementes (Nambara et al., 1991; Jacobsen & Olszewski, 1993).

O papel das GAs na regulação da germinação tem sido extensivamente estudado. Vários fatores ambientais são conhecidos por regular a biossíntese de GA durante a embebição de sementes, em que a regulação da biossíntese de GA por meio da luz tem mostrado ser crucial para a germinação de sementes.

O efeito do ácido giberélico no aumento da porcentagem de germinação foi observado por diversos autores, tais como Ferreira et al. (2001) e Fogaça et al. (2001) variando, porém, as respostas em função das espécies e concentrações utilizadas (Ferrari et al., 2008). Esses resultados demonstram os efeitos da giberelina na promoção da germinação, mais especificamente no controle vários aspectos que vão desde a ativação do crescimento vegetativo do embrião, o enfraquecimento da camada do endosperma que envolve o embrião e restringe seu crescimento, até a mobilização das reservas energéticas do endosperma (Taiz & Zeiger, 2009).

Outra substância comumente utilizada em estudos de quebra de dormência fisiológica é o nitrato de potássio (KNO3). Inúmeros compostos inorgânicos estão presentes nos solos e possuem algum efeito sobre o banco de sementes. Entretanto, somente o nitrato e nitrito parecem influenciar significativamente a dormência de sementes. A ação do nitrato pode ser tanto favorável na indução como na superação da dormência para muitas espécies. Porém, sua ação está geralmente relacionada ao aumento na germinação, sobretudo para as espécies que possuem sementes sensíveis à luz (Vivian et. al., 2008).

Carvalho & Nakagawa (1988) observaram que a aplicação de KNO3 no substrato de germinação é um método amplamente recomendado; aproximadamente 26,5% das espécies listadas nas Regras para Análise de Sementes (Brasil, 2009) teriam sua dormência quebrada com a utilização de solução de nitrato de potássio. Tokuhisa et al. (2007) trabalhando com sementes de mamão conseguiu resultados satisfatórios com a aplicação de KNO3 e Viggiano et al. (2000) verificaram aumento na germinação à medida em que aumentou o tempo de imersão das sementes em solução de KNO3 1M de zero para 60 minutos.

            Dormência morfológica

Relaciona-se às sementes que são dispersas com o embrião não-diferenciado (estádio de pré-embrião) ou não completamente desenvolvido (estádio de “torpedo” ou linear). Desse modo, o embrião deverá passar por um período de maturação na semente separada da plântula-mãe, até atingir a condição de quiescência. Assim, o desenvolvimento da semente, nesse caso, ocorre em duas fases, sendo a segunda na semente já dispersa. Principalmente em espécies tropicais, esse mecanismo do embrião é praticamente contínuo no ambiente natural, ficando muitas vezes difícil separar os processos de dormência e de germinação propriamente dita (Cardoso, 2004).

Diversas espécies produzem sementes que são dispersas com o embrião imaturo. Em alguns casos, é possível identificar no embrião os cotilédones e o eixo embrionário, o que indica que houve diferenciação; contudo o desenvolvimento foi incompleto. Nesse estágio, o embrião, em dicotiledôneas, pode apresentar um aspecto cordiforme.  Em casos mais extremos, ele não passa de uma massa de células indiferenciadas, caracterizando o estagio globular (Borghetti, 2004).

Quando as sementes não germinam devido à imaturidade do embrião, faz-se necessário um período adicional para o seu completo desenvolvimento, denominado pós-maturação (Borghetti, 2004). Sementes de Heracleum sphondyllum, por exemplo, apresentam pós-maturação apenas se passar por um período de baixas temperaturas, enquanto Elaeis guineensis requer temperaturas na faixa de 35 a 40 °C (Cardoso, 2004). São escassos os trabalhos tratando dessa modalidade de dormência em espécies brasileiras, relatada quase que exclusivamente em Annonaceae, Mimosaceae e Aquifoliaceae (Cardoso, 2004).

            Dormência morfofisiológica

Nessa modalidade, a semente apresenta dormência morfológica e fisiológica. Para que a germinação ocorra, é preciso que o embrião atinja um determinado período crítico, variável conforme a espécie, e que a dormência fisiológica seja superada por estratificação ou outro tratamento. Nesse caso, a pós-maturação do embrião e a quebra de dormência fisiológica podem ou não requerer as mesmas condições ambientais e ocorrer ou não ao mesmo tempo, dependendo da espécie. Portanto, em algumas espécies a dormência fisiológica precisa ser quebrada antes de o embrião entrar em pós-maturação morfológica, enquanto, em outras, ambos os processos (superação de dormência e pós-maturação morfológica) ocorrem ao mesmo tempo. Sementes de Annona crassiflora, o conhecido araticum (Rizzini, 1973), provavelmente se enquadram nessa categoria (Cardoso, 2004).

            Dormência física

Esta dormência é causada pela impermeabilidade do tegumento dos tecidos da semente e/ou do fruto, restringindo total ou parcialmente a difusão de água ao embrião. Algumas pesquisas sugerem que, todavia, que tegumentos e envoltórios da semente também podem restringir a difusão de oxigênio para o interior da semente, considerando que os tegumentos embebidos constituem um “filme” contínuo de água ao redor do embrião (Cardoso, 2004).

A dormência física é constatada em espécies que apresentam sementes grandes, cujo embrião armazena grande parte das reservas necessárias para o processo de germinação. Este mecanismo está associado à impermeabilidade à água, com proteção de camadas de células simples ou duplas lignificadas (Vivian et. al., 2008).

Em laboratório, foram desenvolvidos diversos métodos, visando a superação da dormência por impedimento a entrada de água, como a escarificação mecânica e química, a embebição das sementes em água e tratamentos com altas temperaturas, sob condição úmida ou seca (Bewley & Black, 1982; Bebawi & Mohamed, 1985; Perez & Prado, 1993). De acordo com Eira et al. (1993), todos esses tratamentos apresentaram vantagens e desvantagens, de modo que cada um deles deve ser estudado, levando-se em conta, também, o custo efetivo e sua praticidade de execução. Além disso, as sementes podem apresentar diferentes níveis de dormência. Sendo assim, o método empregado deve ser efetivo na superação da dormência, sem prejudicar as sementes com baixos níveis de dormência.

Um dos métodos mais utilizados de superação de dormência por escarificação química é a imersão das sementes em ácido sulfúrico. Ogunwenmo & Ugborogho (1999), testando ácido sulfúrico concentrado, obtiveram 100% de germinação para I. obscura.I. aquatica e I. hederifolia. Por sua vez, Azania et al. (2003), testando ácido sulfúrico concentrado por 15 minutos no tratamento de sementes de I. quamoclit e I. hederifolia, obtiveram 66 e 82% de germinação, respectivamente. Ocorre que substâncias abrasivas corroem muito as sementes pequenas, sendo desejáveis métodos menos abrasivos e práticos. Os métodos que envolvem água quente também proporcionaram resultados satisfatórios, conforme relatado por Azania et al. (2003), os quais recomendaram o estudo mais detalhado da água para superar a dormência das sementes de Ipomoea spp. Roversi et al. (2002), ao utilizarem água quente (97 °C) na superação de dormência de acácia-negra, concluíram ser um bom método de superação de dormência e que permitiu avaliar posteriormente o desempenho das sementes em testes conduzidos em viveiro.

 

            Dormência química

Inicialmente, considerou-se dormência química aquela causada por inibidores de crescimento presentes unicamente no pericarpo. A definição foi posteriormente estendida para substâncias produzidas tanto dentro como fora da semente que, translocadas para o embrião, inibem a germinação (Cardoso, 2004).

É preciso determinar uma distinção entre dormência química (um tipo de dormência exógena) e a dormência fisiológica, tendo em vista que, em muitos casos, unidades de dispersão com inibidores químicos também apresentam dormência fisiológica. A dormência fisiológica está relacionada fundamentalmente ao embrião, envolvendo, entre outros processos, mudanças na produção e/ou na sensibilidade do tecido a substâncias de crescimento, necessitando ser superada por tratamentos específicos, como estratificação. Por outro lado, na dormência química, o embrião está em estado de quiescência, e o inibidor deve simplesmente impedir seu crescimento. Assim, a rigor, a expressão dormência química deveria ser aplicada apenas ás espécies cujas sementes não apresentam dormência fisiológica (Cardoso, 2004).

As sementes de Onopordum acanthium, por exemplo, são dispersas já no estado dormente a partir da planta-mãe, possuindo altas concentrações de inibidores solúveis. Para germinarem, as sementes dessa espécie precisam ser lavadas para reduzir a concentração dos inibidores (Perez Garcia, 1993; Cavers et al., 1998). Dousseau et al. (2007) trabalhando com Zeyheria Montana conseguiu resultados satisfatórios em sementes submetidas a lavagem em água corrente por 6 horas, em relação ao vigor e a porcentagem de germinação em relação aos demais tratamentos testados.

            Dormência mecânica

Por definição, sementes com dormência mecânica apresentam o endocarpo ou mesocarpo pétreo, cuja rigidez impede a expansão do embrião (Cardoso, 2004).

A dormência mecânica foi conceituada por Nikolaeva (1969) como a inibição da germinação pela presença de frutos duros ou com parede lenhosa, atribuída, normalmente, ao endocarpo ou estendida ao mesocarpo de espécies nativas florestais. Porém, o mesmo autor concluiu que não existem evidencias claras da ação do endocarpo como obstáculo à germinação. Conforme suas observações, a superação da dormência do embrião foi suficiente para promover a germinação através do endocarpo, sugerindo que a dormência mecânica pode ser uma particularidade da dormência fisiológica (Vivian et al., 2008). Convém mencionar que alguns estudiosos não consideram a restrição mecânica como causa isolada de dormência, pois sementes com este tipo de restrição geralmente têm dormência embrionária. Uma vez vencida essa dormência, o embrião será capaz de se desenvolver, pois a força de emergência da radícula é capaz de romper a barreira mecânica imposta pelo envoltório da semente (Vivian et al., 2008). Em outras palavras, estando o embrião quiescente e em condições adequadas de água, oxigênio e temperatura, não haveria um impedimento mecânico efetivo ao seu crescimento, por parte dos tecidos adjacentes (Cardoso, 2004).

É importante ressaltar que uma mesma espécie pode apresentar diferentes graus e tipos de dormência. No caso de espécies que apresentam mais de um tipo de dormência esta é dita dormência complexa ou combinada.

Para Zaidan & Barbedo (2004), a importância de diferentes graus de dormência está em evitar uma germinação rápida e uniforme de todas as sementes produzidas em um determinado momento, podendo ocorrer competição entre plântulas ou a morte de todas elas imediatamente após sua emergência, em caso de mudança drástica das condições ambientais.

Por outro lado, os experimentos para estudar a superação de dormência de sementes geralmente são realizados em condições controladas de laboratório. É importante a realização de estudos em condições mais próximas daquelas do campo, que poderiam fornecer resultados mais próximos da realidade.