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Metabolismo anaeróbico alternativo

Metabolismo anaeróbico alternativo

       O excesso de chuvas ou irrigação, solos mal drenados ou compactados são as principais causas que influenciam na redução do oxigênio do solo, por essa razão, a tolerância ao alagamento  é uma questão de sobrevivência para plantas em muitas regiões. 

       Condições de alagamento, induz a planta diversas disfunções fisiológicas, levando a um declínio no crescimento e capacidade de sobrevivência das mesmas. Alguns dos efeitos mais importantes, incluem uma redução no metabolismo e na absorção de água e de nutrientes (Figura 1). 

 

Figura 1. Mapa metabólico do catabolismo anaeróbico de carboidratos mostrando as reações chaves envolvidas na ciclagem de substratos durante a glicólise e a fermentação. 1. fosfofrutoquinase ATP-dependente; 2. fosfofrutoquinase PPi-dependente; 3. piruvato descarboxilase; 4. álcool desidrogenase; 5. lactato desidrogenase; 6. alanina aminotransferase. Na ausência de O2, piruvato desidrogenase é inibida, piruvato é desviado do ciclo de Krebs para a rota fermentativa. Seta tracejada indica seções do mapa no qual a rota metabólica não é dada em detalhes. Fonte: Gibbs & Greenway, 2003.

         O alagamento inicialmente afeta as partes da planta sob o solo, desa forma, o estresse é sentido primeiro nas raízes. No entanto, ainda não está claro quais os sinais e os mecanismos sensoriais responsáveis por desencadear as respostas. Em contrapartida, tem sido estabelecido que as respostas às inundações são intensificadas pela produção aumentada de etileno, acompanhado por uma sinalização em cascata, que inclui uma rede de hormônios e outras moléculas secundárias comuns de sinalização.

        Nos últimos anos, houve significativos progressos na compreensão de algumas das vias de sinalização envolvidas nas respostas vegetais ao estresse (Figura 2).

Figura 2. Diagrama esquemático mostrando os potenciais sinais do solo durante o alagamento, os mecanismos sensores e a rede de sinalização vegetal ligando as respostas da planta. ABA; ácido abiscísico; C2H4, etileno; CK, citocinina; GA, giberelina; Hb, hemoglobina; IAA, auxina; NO, óxido nítrico; SA, ácido salicílico. Fonte: Dat et al.(2004).

         Mudanças nas propriedades químicas e físicas do solo

        As células da raiz podem sentir as mudanças na umidade do solo?

        Células não sentem diretamente as mudanças nos níveis de água no solo, mas sensores celulares internos podem monitorar a homeostase hídrica. Foi identificado em Arabidopsis  uma histidina quinase transmembrana tipo híbrida com função de osmossensor. Em plantas, a saturação de água no solo altera drasticamente o potencial osmótico e a pressão de turgor dentro de poucas horas, assim osmossensores podem rapidamente perceber e transmitir mudanças na homeostase hídrica celular e desencadear respostas adaptativas.

        Saturação do solo pela água diminui a velocidade de difusão dos gases, diminuindo o pool de O2 disponível para os órgão submersos.Existem diferentes níveis de deficiência de O2 durante o alagamento, e O2 pode se tornar o principal fator limitante para o desenvolvimento normal e o primeiro sinal desencadeador de respostas.

Outras mudanças incluem a variações no pH e potencial redox do solo. Como o solo se torna reduzido, altera o balanço de cátions e prótons, alterando assim o pH. Modificações no pH não alteram diretamente o desenvolvimento vegetal, mas sim por alterar a fitotoxidade de metais, redução de mineralização, deficiência de cálcio e redução de turnover de matéria seca, alterando portanto a disponibilidade de nutrientes no solo.

        Como as plantas percebem o alagamento?

        Mudanças na homeostase de espécies reativas de oxigênio

Como mitocôndrias são as principais consumidoras de oxigênio, elas são crucias na percepção de mudanças nos níveis de O2. Como na cadeia de transporte de elétrons ocorre naturalmente a formação de EROs, a importância da oxidase alternativa alterando o fluxo de elétrons durante a hipoxia tem sido relatado em vários trabalhos.

A evidência de que a homeostase redox é essencial na regulação de respostas de plantas ao estresse combinada com a crescente evidência de que o colapso mitocondrial é um desencadeador precoce no desenvolvimento de aerênquima

Uma rota de percepção para o oxigênio deve conter sensor para oxigênio capaz de detectar mudanças na concentraçàode O2 e desencadear uma cascata de sinalização de fatores de transcrição específicos que mediarão as respostas celulares.

A identidade e os exatos mecanismos de percepção ao O2 ainda não são claros. Em mamíferos, muitos genes induzidos pela hipoxia são regulados pelo HIF-1 (fator 1 induzido pela hipoxia), VEGF (fator de crescimento vascular endotelial) ou pelo GLUT-1 ( transportador 1 de glicose). Em plantas homólogos do HIF-1 tem sido identificado.

Um outro potencial sensor O2 , uma proteína de ligação ao oxigênio (hemoglobina) tem sido identificada e isolada

 Hemoglobinas

Hemoglobinas apresentam estrutura conservada, alta afinidade ao O2 e combinação reversível com o O2 no estado ferroso. São proteínas citosólicas em plantas superiores e se dividem em dois tipos: uma simbiótica (leghemoglobina) e outra não ( hemoglobina (Hb)). Leghemoglobina foram isoladas em leguminosas e presente principalmente em nódulos, onde ajudam no transporte de oxigênio. A função da hemoglobina não simbiótica (Hb) ainda não está clara, embora ela seja induzida em tecidos expostos a hipoxia.

        Muitas funções tem sido atribuídas a Hb sob condições de hipoxia:

  • serve como carreador de O2 em células de mamíferos, ajudando a preservar a respiração mitocondrial sob hipoxia;
  • pode atuar como uma proteína de transferência de elétrons;
  • serve como um sensor de O2 capaz de regular a expressão gênica sob anoxia;

ajuda a sustentar o metabolismo glicolítico em tecidos estressados.

Hemoglobinas apresentam alta afinidade ao O2 permanecendo oxigenadas nas concentrações de O2 na qual o processo anaeróbico é ativado, tornando-se um candidato ideal para sequestrar O2 sob hipoxia.
Interações com outras proteínas, como a flavoproteína, pode formar um complexo capaz de oxidar o NAD(P)H, regenerando o NAD, para suportar a glicólise, assim contornando a rota fermentativa do etanol.

Esse fato foi confirmado em uma planta com superexpressão da Hb que apresentou menor atividade da ADH. Experimentos tem mostrado que a hemoglobina utiliza o O2 celular disponível para manter a homeostase de ATP. Foi confirmado uma forte relação entre expressão constitutiva da Hb e a manutenção do crescimento radicular sob hipoxia. Por outro lado, foi proposto que essa relação é mediada pelos níveis de óxido nítrico, uma vez que ele é ligado a hemoglobina em muitos sistemas biológicos em associação com as respostas a hipoxia.

 

Óxido nítrico

Em mamíferos o óxido nítrico (NO) regula vários processos do sistema imunológico, nervoso e vascular, servindo também como mensageiro secundário na percepção ao oxigênio. NO é também um sinal em plantas, onde formas oxidadas de nitrogênio são suas fontes.

NO pode ser produzido pela redução enzimática e não enzimática do nitrato e nitrito. A formação não enzimática do NO é favorecida por pH ácido, condição que ocorre na anaerobiose (Figura 3).

Figura 3. Síntese de óxido nítrico em plantas. Fonte: Besson-Bard et al., 2008.

 

 Mas como pode o NO refletir mudanças nos níveis de O2 ?

Como foi dito a produção de NO é estimulada pela anaerobiose. Tem-se observado que o acúmulo de NO correlaciona-se com a iniciação da morte celular em raízes de alfafa expostas a condições de hipoxia.

A bioquímica do NO envolve reações com radicais livres e ligação reversível com metalloproteína ou resíduos de aminoácidos de proteínas específicas. Junto com Hb e a homeostase redox, o NO pode ser um dos principais sinais durante o alagamento.

        O nitrato durante a hipoxia ajuda a reduzir a produção dos produtos fermentativos, a manter uma alta concentração de ATP. A redutase do nitrato é ativada durante a hipoxia tanto a nível transcricional, como enzimático, mas em algumas espécies a redutase do nitrito é inibida. Como a redutase do nitrito é inibida, o nitrito é direcionado para outro sistema redutor na mitocôndria. A redutase do nitrito usa os elétrons do complexo III (bc1) e do IV (COX) para produzir óxido nítrico. NO é difundido novamente para o citosol onde é convertido a NO3- pela Hb.

        O óxido nítrico representa cerca de 1% do transporte de elétrons mitocondrial sob hipoxia, quando medido como oxidação do NADH, isso porque o NO é rapidamente removido ou pelo fato dele não ser o único produto do nitrito.

 Percebendo mudanças no pH

Estresse por depleção de oxigênio desencadeia respostas celulares como diminuição no pH. Durante hipoxia, o pH citosólico cai para abaixo de 7, ativando a PDC. O declínio do pH é um dos primeiros eventos seguindo a hipoxia nas raízes, precedendo a morte celular e formação de aerênquimas. Mudanças no pH tem sido ligada ao ABA na regulação estomática, proposto como um sinal tanto em condições de seca ou alagamento.

Foi descoberto que o pH citosólico regula as aquaporinas intrínsecas da membrana plasmática indicando uma função para o pH citosólico sob hipoxia, abrindo novos caminhos para pesquisa (Figura 4).

Figura 4. Diagrama mostrando a normal rota durante a respiração anaeróbica e a hipótese do status do pH durante a hipoxia. ( —>) indica a ativação de respostas. ADH, álcool desidrogenase; LDH, lactato desidrogenase; PDC, piruvato desidrogenase; ALDH, aldeído desidrogenase. Fonte: Date et al., 2004.

 

 

Percebendo mudanças metabólicas

Durante a hipoxia, há uma diminuição da respiração e do fluxo de elétrons pela CTE, o que diminui a produção de ATP. Então poder redutor deve ser gerado por vias independentes de O2, representando a transição da rota oxidativa para a fermentativa. Como na fermentação a taxa de produção de ATP é baixa (apenas 2), para compensar, a taxa da glicólise pode aumentar (efeito Pasteur), restabelecendo em parte o pool de ATP.

        Mudanças nos níveis de ATP podem servir como um sinal para respostas adaptativas. Ciclinas e nucleotídeos de adenina funcionam como reguladores chaves na sinalização intra e extracelular e podem regular a atividade de canais iônicos. ATP e ADP extracelular despolarizam a membrana plasmática de pelos radiculares de Arabidopsis e níveis extracelulares de ATP afetam criticamente os níveis de auxina nas raízes. Além disso, fluxos de cálcio são quase que os primeiros efeitos da hipoxia. Entretanto, a única evidência para a sinalização de ATP durante a hipoxia permanece a regulação da expressão gênica da Hb.

      

  Cascata de sinalização durante o alagamento

        Reguladores de crescimento vegetal

Uma bateria de moléculas sinalizadoras são ativadas durante um estresse e este fluxo de sinais frequentemente não é linear com interferências entre as cascatas de sinalização. A magnitude, a duração e a frequência de sinalização interferem nas respostas celulares.

      O alagamento causa mudanças nos níveis de muitos reguladores de crescimento e outras moléculas sinalizadoras. O mais estudado, o etileno, está envolvido na estimulação da elongação da parte aérea, desenvolvimento de aerênquima e iniciação de raiz adventíceas. Sua biossíntese aumenta rapidamente durante a hipoxia. A produção de etileno nas folhas de plantas alagadas correlaciona com a indução da ACC sintase e acúmulo de ACC nas raízes. Em plantas de tomate alagadas, ACC é rapidamente sintetizado nas raízes e transportado até as folhas, onde é convertido a etileno pela ACC oxidase, levando a epinastia. Como a conversão de ACC a etileno é dependente de O2, sua biossíntese é inibida sob hipoxia. Entretanto, o aumento na produção de etileno é causado pelo aumento na atividade da ACC sintase.
Eventos da morte celular programada também estão relacionados ao etileno. A função do etileno nas respostas vegetais é crucial, mas como e onde ele está posicionado na cascata de sinalização ainda não está totalmente elucidado.

      Em adição aos eventos de sinalização pelo etileno, há um aumento na função de  ABA, giberelina (GA), auxina (IAA) e citocinina (CK). Embora tenham muitos estudos mostrando que há um acúmulo de ABA em resposta a hipoxia, alguns trabalhos mostram o oposto. Acredita-se que a ação do ABA pode estar ligada a GA, uma vez que eles podem atuar como antagonistas. Em arroz, ABA é um potente inibidor de GA e a aplicação de etileno reduz níveis endógenos de ABA. Sinergismo entre etileno e IAA tem sido proposto durante a formação de raízes adventícias. O alagamento pode reduzir a produção de CK pela baixa concentração de O2 no sítio de biossíntese no meristema radicular.


Figura 5. Diagrama mostrando a potencial cascata de sinalização e interação das redes envolvidas durante a resposta do alagamento. (<->) indicam sinergismo entre sinais, (–>) indicam ativação de uma resposta fisiológica, (>) indicam indução hipotética. ABA, ácido abscísico; GA, giberelinas; Hb, hemoglobinas; IAA, auxina, NO, óxido nítrico. Fonte: Date et al., 2004.

       

 

Rotas de transdução de sinais dependentes de íons durante o alagamento

A função crítica para o fluxo de cálcio na rota de transdução de sinais, leva a biossíntese de etileno e subsequente formação de aerênquima em raízes de milho. Um aumento nos níveis de Ca2+ citosólico tem sido observado dentro de poucos minutos após o alagamento, ocorrendo antes de mudanças na expressão gênica, mas requerido para induzir ADH. Ca2+ citosólico estimula a GAD e a síntese de GABA. O GABA aumenta muitas vezes durante hipoxia e acredita reduzir a acidose citoplasmática, uma vez que atividade da GAD consome H+. Há fortes evidências para a função do Ca2+ na cascata de sinalização durante a hipoxia, regulação gênica e desenvolvimento de aerênquima.

Para visualizar artigos sobre o assunto acesse os links abaixo.

Igamberdiev, A. U.; Hill, R. D.  Plant mitochondrial function during anaerobiosis. Annals of Botany 103: 259–268, 2009.

Besson-Bard, A.; Pugin, A.; Wendehenne, D. New Insights into Nitric Oxide Signaling in Plants. Annu. Rev. Plant Biol. 2008.

Neill, S.; Barros, R.; Bright, J.; Desikan, R.; Hancock, J.; Harrison, J.; Morris, P.; Ribeiro, D.; Wilson, I. Nitric oxide, stomatal closure, and abiotic stress. Journal of Experimental Botany, Vol. 59, No. 2, pp. 165–176, 2008.

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